Lembra-se daquela atividade que lhe trouxe tanto prazer que nem deu pelo passar do tempo? Não se distraiu, não fez qualquer pausa, sem sequer comeu, … não pensou em mais nada. Só se concentrou naquela atividade. Foi tão árdua, mas trouxe-se-lhe enorme satisfação por ter testado os seus limites. Ou foi aquele momento em que a criatividade brotava da sua mente de forma tão fluída e continua, mas sem grande esforço. Experienciou esse incrível estado de sentir, a felicidade genuína!
Uma das melhores emoções que viveu
Certamente que já desfrutou desta sensação incrível quando realizou aquela atividade em que é realmente bom. Na pintura de um quadro, na escrita de uma canção, na sua ideia de negócio, a praticar um desporto, aquela viagem que tanto planeou … Não pensou em mais nada. Não stressou com o que ia fazer no dia seguinte, não lamentou o que tinha deixado de fazer. Só pensou naquela atividade. Foi uma das melhores emoções que viveu!
Esta sensação incrível de satisfação pessoal e felicidade genuína é o “estado de fluxo” (em inglês, “flow state”), um termo proposto pelo Dr. Mihaly Csikszentmihalyi, considerado o cofundador da psicologia positiva. Segundo ele “os melhores momentos das nossas vidas não são os passivos, recetivos, relaxantes … Os melhores momentos geralmente acontecem quando o corpo ou a mente é levada até ao limite num esforço voluntário de realizar algo difícil e que vale a pena”. E é algo fundamental para o nosso bem-estar.
O que é o estado de “fluxo”?
Quando compramos uma casa maior ou um automóvel mais caro, naquele instante sentimos uma grande felicidade. Mas rapidamente essa sensação se desvanece. E, pior do que isso, frequentemente, caímos num sentimento de “culpa”, por termos alcançado esse objetivo, muitas vezes, com sacrifício da família ou dos amigos, ou recorrendo a excessivas horas no trabalho, ou por termos contraídos empréstimos (quase) impossíveis de pagar. É, assim, uma “felicidade efémera” que frequentemente acaba por fazer sentir-nos ainda pior.
Pelo contrário, a felicidade genuína, no sentido em que traz-nos uma satisfação mais prolongada com a vida, é uma felicidade em termos de sentido de propósito ou significado. Concentra-se nas experiências que podem não ser puramente prazerosas, mas aumentam o nosso sentido de ligação com valores mais profundos, e por isso mais duradoiros. Pense ainda que a felicidade genuína pode ser alcançada alterando o conteúdo da nossa consciência:
“Uma pessoa pode sentir-se feliz ou infeliz, independentemente do que realmente está acontecendo à sua volta, apenas mudando o conteúdo da sua consciência” – Mihaly Csikszentmihalyi
Esta é a proposta do Dr. Mihaly Csikszentmihalyi que teve como base mais de 40 anos a investigar as origens da felicidade genuína. Ele quis responder à questão “o que é felicidade e o qual o processo que nos conduz a ela”. Segundo ele, a felicidade corresponde a mudar o conteúdo da nossa consciência para o estado chamado de “fluxo”. A experiência de “fluxo” é universal e foi observada em diferentes culturas, classes, géneros e idades, podendo ser experimentada em diversos tipos de atividades. Ele descreve este estado no qual, quando a pessoa entra nele, nada mais interessa; é um estado de intensa concentração, sem distrações, em que se perde a noção do tempo. É uma das melhores experiências que se pode viver.
Desde as ideias do filósofo grego Epictetus
A ideia de associar felicidade e a mudança do conteúdo da nossa consciência não é propriamente nova. Já tem séculos, e vem desde as ideias do filósofo grego Epictetus, que dedicou a sua vida a responder à pergunta “como viver uma vida plena, uma vida feliz”. O seu pensamento teve enorme influência sobre as ideias dos principais pensadores da arte de viver durante quase dois mil anos. No século XX, o médico psiquiatra austríaco Viktor Frankl explorou o sentido existencial do individuo e a dimensão espiritual da sua existência, tendo-o levado a propor a psicoterapia fundamentada na busca de sentido, sendo o fundador da escola da logoterapia.
Estudos de Mihaly Csikszentmihalyi fundamentados pelo “método cientifico”
Então, o que é que os estudos de Mihaly Csikszentmihalyi acrescentaram? Trouxeram toda a fundamentação “cientifica”. Ele começou por constatar que o facto de termos mais bens materiais, pouco ou nada contribuí para melhorar a nossa felicidade. Observou que o vencimento médio de um americano triplicou em 50 anos (desde 1955 até 2005), sem que tenha havido qualquer alteração no índice da “felicidade”, o qual praticamente não sofreu qualquer alteração, tendo-se mantido estável. Já o mesmo tinha sido observado por Richard Easterlin, economista e professor da University of Southern California, fenómeno que ficou conhecido como o paradoxo de Easterlin.
Embora mais tarde, em 2015, Oishi e Kesebir, da Universidade de Virgínia, tenham encontrado evidencias de que a felicidade dos cidadãos aumenta com o crescimento económico, mas apenas se houver uma distribuição mais justa da riqueza, esta conclusão em nada contradiz os estudos de Mihaly Csikszentmihalyi. Pelo contrário, até confirma esses mesmos estudos. Segundo estes dois investigadores, quando há desigualdade de rendimentos, a felicidade gerada pelo crescimento económico é anulada pela insatisfação gerada por essa desigualdade, dai a distribuição de riqueza ser um aspeto muito importante para a felicidade. Assim, crescimento com igualdade é crescimento feliz, e crescimento com desigualdade é crescimento infeliz.
Mais de 40 anos de investigação entrevistando artistas, atletas, …
Vejamos, então, mais de perto as investigações de Mihaly Csikszentmihalyi. Durante mais de 40 anos, ele entrevistou artistas, músicos, atletas, etc. As suas investigações tinham como objetivo descobrir o que despertava a criatividade e levava a maior produtividade. Ele quis estudar essas pessoas criativas e com alto desempenho e que, frequentemente, evidenciavam experienciar uma felicidade genuína, ou sejam, experimentavam esse estado de fluxo. Foi com base na descrição do que elas sentiram durante o desempenho das suas tarefas que ele propôs o termo “fluxo”, dado descreverem essas experiências como momentos em que o seu trabalho simplesmente fluía sem grande esforço. Nas suas próprias palavras, o fluxo é:
“Um estado em que as pessoas estão tão envolvidas numa atividade que nada mais parece importar; a experiência é tão agradável que as pessoas continuarão a fazê-la, mesmo com grande sacrifício, pelo simples prazer de a faz” – Csikszentmihalyi, 1990
Os seus estudos levaram-no a concluir que a felicidade genuína é um estado de sentir interno. O seu livro popular, “Fluxo: A Psicologia da Experiência Ótima” (em inglês, “Flow: The Psychology of Optimal Experience”), baseou-se na premissa de que os níveis de felicidade podem ser mudados através da introdução de mais fluxo.
O estado de fluxo é crucial para criar felicidade genuína
Nas investigações que realizou constatou que uma pessoa no estado de fluxo encontrava-se num estado tão profundo de envolvimento que era como se ela não existisse. O seu sistema nervoso não era capaz de processar mais nada. Não sentia cansaço, nem fome. Não sabia o que se passava à sua volta. O seu corpo e identidade desapareciam da sua consciência, porque não tinham a atenção necessária. Estavam suspensos. E as mãos eram como se se movessem sozinhas. Assim, a felicidade não é um estado rígido que não pode ser mudado. Pelo contrário, a felicidade esforça-se por manifestar-se. Segundo ele, o fluxo é crucial para criar felicidade genuína.
É ainda importante referir que existem dois tipos básicos de motivação: intrínseca e extrínseca. A motivação intrínseca é aquela que tem dentro de si quando faz algo que adora. A motivação intrínseca é “fluxo” quando se entrega completamente à atividade, perdendo a autoconsciência e a noção do tempo, como quando um músico toca sem pensar, ou o atleta treina com alegria. A motivação extrínseca é aquela que necessita de ser controlada externamente e que é de curta duração. Por exemplo, uma boa motivação extrínseca é quando precisa de um professor para o recompensar com uma boa classificação, ou trabalha arduamente para ganhar mais dinheiro, ou ainda o elogio dos seus superiores.
E como pode ir para o estado de fluxo?
É explicado pelo seguinte gráfico. Se a atividade for demasiado difícil para as suas capacidades, fica com ansiedade. Se for demasiado fácil, fica desmotivado. O certo é quando há um equilíbrio entre o nível da atividade a as suas capacidades. Entra-se no canal do estado de “fluxo”.
Quando entra neste canal, quanto mais o desafio aumenta, mais longe leva as suas competências, mais avança neste estado e mais intensa é a sensação. Sente um stress positivo que lhe permite encontrar as soluções mais eficientes e o leva a alcançar o “êxtase”.
Em contraste, quando passa muito tempo em frente ao televisor ou no facebook, não é uma experiência que o desafie. Corresponde a estar no canto inferior esquerdo, no estado de “apatia”, onde sente-se aborrecido, preocupado com qualquer situação que se tenha passado. Ou até ansioso com o que possa vir passar-se amanhã. Por isso, tem de afastar-se deste estado de apatia e tem que mover-se para o canal de “fluxo”, onde pode alcançar o “êxtase”, que é quando atinge o ponto de experiência de grande entusiasmo.
As 8 características do estado do fluxo, a felicidade genuína
Como pode saber se está no estado de fluxo? Mihaly Csikszentmihalyi descreveu 8 características do fluxo:
- A tarefa parece ser realizada sem esforço e sem dificuldade
- A experiência é intrinsecamente gratificante, tem um fim em si
- Há um sentimento de controle total sobre a tarefa
- O foco é na tarefa, não importando mais nada
- Existe um equilíbrio entre o desafio e as competências
- Há uma definição clara dos objetivos e recompensa imediata (feedback) para a mente
- Há uma transformação do tempo (aceleração / desaceleração do tempo)
- As ações e consciência fundem-se, perdendo-se a ruminação autoconsciente
Como entrar no estado do fluxo e experienciar a felicidade genuína?
Então, estará a perguntar a si próprio como pode entrar no estado do fluxo?
Primeiro. Para experimentar o estado do fluxo, e experienciar a felicidade genuína, é necessário que fique longe de todas as distrações, tudo o que possa perturbar a experiência. Na vida moderna e acelerada que todos temos, isto significa que para começar tem que desligar o smartphone e afastar-se de tudo o que o possa distrair.
Segundo. A seguir a isso, tem que encontrar um equilíbrio entre o desafio que se propõe ultrapassar e as competências necessárias. O equilíbrio é um fator essencial. Se o desafio e maior que o nível de competências, irá ficar ansioso e stressado. Por outro lado, se o seu nível de competências excede o desafio, ficará entediado e distraído.
Terceiro. Quanto mais praticar, melhor. A experiência do fluxo na sua vida é uma componente importante para o seu bem-estar. Pode ser descrito como um aspeto chave da “eudaimonia” ou a sua autorrealização, em contraste com a “hedónica” ou o prazer. Uma vez que é intrinsecamente gratificante, quanto mais praticar, mais procurará replicar essas experiências, o que irá ajudá-lo a levar uma vida totalmente comprometida e feliz.
Quarto. Flua com os outros. É importante praticar muito … mas não flua sozinho. Uma outra característica essencial do estado de fluxo é que a intensidade experienciada é maior quando é realizada com outras pessoas, ou seja, a componente social é também muito importante. Por isso, se quiser aproveitar ainda mais uma experiência de fluxo, participe em atividades de conjunto.
Quando vai começar a entrar no fluxo?
Estará a pensar no seu dia-a-dia e nas inúmeras atividades que lhe causam ansiedade ou apatia. Comece por pensar naquelas pequenas tarefas que consegue remover da sua lista e que só por inércia ainda não as retirou, mas que continuam a roubar a concentração da sua mente. O passo seguinte é substituir essas tarefas por outras que lhe tragam prazer. Depois, siga as minhas recomendações para entrar no fluxo. Tente colocar mais e mais do seu dia-a-dia no canal do fluxo.
Não é fácil nem óbvio. Por isso, aconselho-o a procurar ajuda. A orientação de um profissional em psicologia pode ajudá-lo nesta jornada para alcançar a felicidade genuína!
Elisabete Condesso / Psicóloga e Psicoterapeuta
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